Revista Indústria Brasileira

Em Genebra, na Suíça, o diretor-geral da Organização Mundial do Comércio (OMC), o diplomata brasileiro Roberto Azevêdo, está à frente da maior entidade co- mercial do planeta formada por 162 países-membros. No enfrentamento da Covid-19, Azevêdo afirma que a OMC está atuando, por exemplo, para evitar restri- ções às exportações de alimentos e de produtos mé- dicos. Nesta entrevista à revista Indústria Brasileira , ele alerta sobre a recuperação econômica nos vários países, que vai depender da capacidade de cada um deles de controlar a pandemia e de medidas monetá- rias, fiscais e comerciais eficazes. Quais as principais medidas que a OMC está toman- do para estimular o comércio internacional durante e depois da pandemia? Estamos trabalhando, em cola- boração com outras organizações internacionais, para monitorar e avaliar a situação e informar melhor os tomadores de decisão. Buscamos estimular os países a evitar medidas comerciais contraproducentes, como restrições às exportações de alimentos e de produtos e equipamentos médicos. Para isso, participamos ativa- mente dos debates no G20. Criamos uma força-tarefa especializada, envolvendo todas as áreas da OMC. Ela- boramos uma série de estudos para informar os mem- bros em suas decisões. Monitoramos as medidas adota- das e garantimos sua transparência. Criamos também um espaço na nossa página na internet com informa- ções comerciais relevantes relacionadas à Covid-19. Estamos, ainda, em contato direto com o setor priva- do, buscando identificar gargalos e possíveis alterna- tivas. Enfim, trabalho não falta. Nesse contexto, quais são as tendências para os no- vos acordos comerciais em curto e médio prazo? Na OMC temos discussões sobre comércio eletrônico, faci- litação de investimentos, regulação doméstica em ser- viços e participação das micro, pequenas e médias em- presas no comércio internacional. Temos também as negociações em agricultura e subsídios da pesca. To- dos esses debates se tornaram ainda mais críticos no contexto atual. A economia digital, o comércio agríco- la e de serviços, os investimentos e a integração dos ato- res menores na economia global terão papel central na recuperação econômica no curto e no médio prazo. A questão ambiental, presente nas negociações em pes- ca, também se destaca. Fora da OMC, nas negociações de acordos regionais e bilaterais, a inclusão de cláusu- las sobre esses temas já vinha acontecendo. Não vejo motivo para que essa tendência se altere. Ainda no cenário da Covid-19, como a OMC poderia co- laborar para que novos acordos comerciais não desfa- voreçam as indústrias dos países em desenvolvimen- to? No que diz respeito aos acordos que são feitos dentro da OMC, todos os interessados participam das negocia- ções. Os países em desenvolvimento têm a chance de defender seus interesses ao longo dos debates. Quan- to aos acordos que são negociados fora da OMC, tam- bémmuito comuns, normalmente eles se valem do ar- cabouço geral das disciplinas multilaterais. Isso em si já é uma ajuda na questão de nivelar o campo de jogo. Como o comércio internacional, nesse contexto, pode colaborar para impedir o aumento do desemprego e o crescimento da pobreza no mundo? Eu tenho insisti- do muito que a recuperação econômica nos vários pa- íses vai depender, principalmente, de duas coisas: da nossa capacidade de controlar e superar a pandemia e de medidas de estímulo que sejam eficazes, sobretu- do nos planos monetário, fiscal e comercial. Essas três esferas precisam atuar na mesma direção. O comércio global viabiliza o aumento de escala de produção e a di- minuição nos custos do produto final. Com isso, você aumenta o poder de compra da população e o consu- mo, incentiva o investimento e gera empregos. Políti- cas comerciais acertadas são parte vital dessa equação. Segundo a Confederação Nacional da Indústria, o acor- do comercial em negociação entre o Mercosul e a Co- reia do Sul prejudicaria 51 setores econômicos no Bra- sil e beneficiaria apenas 11. Qual seria o papel da OMC nesse acordo? Os acordos bilaterais e regionais são ne- gociados fora da OMC, mas precisam ser compatíveis com as regras multilaterais. Esse equilíbrio de ganhos e perdas, avaliado pelos países que estão negociando, é um aspecto natural e comum nas negociações desse tipo de acordo. Mas vale lembrar aqui que, uma vez que esses acordos são finalizados, eles passam pelo escru- tínio do Comitê de Acordos Regionais ou do Comitê de Comércio e Desenvolvimento, na OMC, dependendo do tipo de notificação. Eles são detidamente examinados e todos os países-membros da organização têm o direi- to de fazer perguntas sobre o conteúdo do acordo. ■ 35 Revista Indústria Brasileira

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