Revista Indústria Brasileira

Em que esta crise se distingue das ou- tras neste século? As crises de 2000 e 2008, por exemplo, tiveram seu início no sistema financeiro. A que está prestes a eclodir será resultado de um problema de saúde pública que se desdobrou em uma crise de produção que, obviamente, vai surtir efeito no sistema financeiro e nas empresas. Em relação ao enfrenta- mento da crise, não há distinção em re- lação à origem dela. As formas de atuar são as mesmas. Não há superação de cri- se que não passe pela liberação de muito dinheiro e por uma política fiscal expan- sionista. O que não pode acontecer é dei- xar todo o sistema quebrar, como ocorreu em 1929 nos Estados Unidos. Estimulado pelo espírito do então secretário do Te- souro de “deixar queimar” a parte podre do sistema, o que se viu no país foi a ex- pansão da crise com a “queima” dos que não eram podres e a piora da situação macroeconômica. De tempos em tempos, o planeta se vê às voltas com uma nova crise econômica. É possível evitar o surgimento de novas crises, ao menos daquelas originadas no sistema financeiro? Sempre quando uma bolha de ativos estoura, o banco central ou a autoridade monetária disponibiliza mais dinheiro no mercado para evitar a contração da economia real. Só que, ao fazer isso, são plantadas as sementes da próxima bolha, da próxima crise. O coro- navírus foi a “ponta da agulha” a estourar a bolha que nasceu a partir de 2008 em virtude da enorme quantidade de dinhei- ro em circulação. Trata-se de um proces- so que se retroalimenta. O que o sr. está dizendo é que não exis- te solução para uma crise que não gere outra em um futuro próximo? Existiria se fosse estabelecido que ninguém mais compraria ações, mas isso não condiz com uma economia aberta. Com mais dinheiro em circulação, onde você vai querer inves- tir o seu dinheiro: na bolsa que está subin- do 5% por semana ou comprar um títu- lo público que paga 0,25% ao ano? Todo mundo vai na bolsa, o que acaba inflando a bolha. Seria preciso ficar de olho na bo- lha de ativos, só que o Banco Central não cuida dela. Sua função é cuidar da infla- ção de preços. Na outra ponta, há muita falta de conhecimento sobre como funcio- na o sistema financeiro e como atuar nele. Sabendo como funciona esse ciclo, não é possível construir outras soluções? Se você está no meio de um incêndio, não vai deixar de usar água para apagá-lo, mesmo sabendo que tanta água vai re- sultar, no futuro, em um curto-circuito que provocará um novo incêndio. A ver- dade é que faltam instruções de até onde se deve chegar quando a bolsa está exa- gerada. Além disso, para manter a esta- bilidade do poder de compra da moeda, o Banco Central não pode subir os juros para furar a bolha. Há previsão de quando será o ápice da crise e de quando ela começará a melho- rar? Existe um padrão que as crises cos- tumam seguir? Desde 1850 tem ocorrido uma crise, em média, a cada 10 anos. No ano passado, a bolha já dava sinais cla- ros de que estava para estourar porque os valores praticados nas bolsas de valores de todo o planeta já estavam exagerados. Sendo assim, pode-se afirmar que a de- sidratação das bolsas de valores ocasio- nada pela pandemia do coronavírus nada mais é do que o retorno das coisas para o ponto no qual deveriam estar. Em situações de crise econômica, em especial na atual, qual é o papel do go- verno? Em um momento emergencial, o governo está girando a chave para o keynesianismo, ou seja, para a interven- ção estatal na economia, o que é uma de- cisão acertada. Na atual circunstância, não adianta bater na tecla de que a pio- ra do desemprego vai resultar em mortes no futuro. A decisão não era entre deixar as pessoas morrerem à vista, em virtude do coronavírus, ou à prazo, em razão da situação econômica resultante da crise. Essas são passíveis de serem evitadas por meio de políticas fiscais expansionistas e contracíclicas. ■ 35 Revista Indústria Brasileira

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